segunda-feira, 30 de março de 2015

O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO, SEUS SUJEITOS E O DESAFIO DA FORMAÇÃO HUMANA INTEGRAL



Pressupostos e fundamentos para um ensino médio de qualidade social: sujeitos do ensino médio e formação humana integral



A necessidade de superar o caráter enciclopédico, dualista, fragmentado e hierarquizante do currículo do Ensino Médio





Aos demais, ficaria reservado o ensino técnico-profissional. Essa polaridade teve seus desdobramentos na organização pedagógico-curricular do ensino médio ao longo da história, de modo a oscilar entre um currículo “enciclopédico”, centrado no acúmulo de informações e no aprendizado mecânico, ou em um

currículo “pragmático”, centrado no treinamento para uma atividade laboral.



Em qualquer uma dessas situações, no entanto, é possível verificar que a organização curricular do ensino médio que se instituiu ao longo do tempo se caracterizou pela FRAGMENTAÇÃO do conhecimento em disciplinas estanques e hierarquizadas, de modo a valorizar algumas áreas do conhecimento em detrimento de outras. 

O reconhecimento desse caráter histórico- cultural da formação humana nos leva, ainda, ao encontro do avanço do conhecimento científico e tecnológico, e isso significa, em termos curriculares, partir da contextualização dos fenômenos naturais e sociais, de sua significação a partir das experiências dos sujeitos, bem como da necessidade de superação das dicotomias entre humanismo e tecnologia.



Tal organização curricular pressupõe, ainda, a ausência de hierarquias entre saberes, áreas e disciplinas.



O ensino médio brasileiro, ao longo de sua história, oscilou entre uma finalidade voltada ora para a formação acadêmica, destinada a preparar para o ingresso no ensino superior, ora voltada para uma formação de caráter técnico, com vistas a preparar para o trabalho.

“A Lei Orgânica do Ensino Secundário.”O ensino secundário, propedêutico,destina-se à formação das elites condutoras.” (apud SILVA, 1991)




Entre as áreas do conhecimento, o formalismo derivado das ciências de referência que compõem as disciplinas escolares, tudo isso em seu conjunto, nos leva ao desafio de pensar, junto a você, qual organização curricular favoreceria, nos dias atuais, a atribuição de um sentido pleno às experiências vividas no espaço da escola.



Em defesa de uma perspectiva curricular menos fragmentada e mais integrada




Hoje devemos pensar uma escola a qual não se limite aos interesses mais imediatos e pragmáticos, mas que acolha o desafio de pensar a formação humana em sua plenitude. Por isso se faz necessário refletir em torno da ideia de um ensino médio sustentado na e pela finalidade de uma FORMAÇÃO HUMANA INTEGRAL.




A perspectiva acima encontra respaldo nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolução CNE/CEB 02/2012), que elegem as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular.



Conforme essas Diretrizes, as dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia inserem o

contexto escolar no diálogo permanente com os sujeitos e com suas necessidades em termos de formação, sobretudo pelo fato de que tais dimensões não se produzem independentemente da sociedade e dos indivíduos.



Compreendidos dessa forma, trabalho, ciência, cultura e tecnologia se instituem como um eixo a partir do qual se pode atribuir sentido a cada componente curricular e a partir do qual se pode conferir significado a cada conceito, a cada teoria, a cada ideia.



O texto das DCNEM nos indica, ainda,que não se trata de organizar atividades ora referentes ao trabalho, ora à ciência, ora à tecnologia, ora à cultura

O que elas propõem é que toda a atividade curricular do ensino médio se organize a partir de um eixo comum – trabalho, ciência, tecnologia e cultura – e que se integre, a partir desse eixo, à totalidade dos componentes curriculares.



É possível reconhecer nessa orientação a possibilidade de o currículo ser capaz de atribuir novos sentidos à escola, de dinamizar as experiências oferecidas aos jovens alunos e de ressignificar os saberes e experiências com os quais se interage nas escolas.




O reconhecimento do currículo como uma construção coletiva 

Nos momentos nos quais se faz um diagnóstico da realidade da escola tendo em vista a elaboração de seu Projeto Político- Pedagógico, esse diagnóstico pode se tornar um profundo processo coletivo de avaliação de como a escola tem se organizado, das dificuldades que tem encontrado, das possibilidades de superação dessas dificuldades e do avanço em direção a uma melhor qualidade da educação.




O planejamento curricular ultrapassa o caráter instrumental e meramente técnico, adquirindo a condição de conferir materialidade às ações politicamente definidas pelos sujeitos da escola.



O planejamento curricular como principal diretriz, a ação de planejar implicando a participação de todos os elementos envolvidos no processo alunos, professores, coordenadores pedagógicos, gestores



O reconhecimento das dimensões explicativas e prescritivas do currículo

As teorias sobre currículo estiveram, em seu início, relacionadas à busca de maior eficiência da escola. O planejamento curricular orientou- se, no início do século XX, pela transferência de técnicas de organização do trabalho fabril para a escola. Assim, os princípios defendidos por F. Bobbit no livro The Curriculum (EUA, 1918, apud SILVA, 2000) para a organização curricular apoiavam-se nos mesmos princípios postulados por F. W. Taylor para o trabalho em geral.

Posteriormente, e dando continuidade à perspectiva posta por Bobbit, a organização e o desenvolvimento curricular, segundo Ralph Tyler (1976), deveriam se orientar a partir de quatro questões básicas: 


1. Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 

2. Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?

3. Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? 
4. Como podemos ter a certeza de que esses objetivos estão a ser alcançados?”
(SILVA, 2000). 



Essa compreensão de currículo e de planejamento curricular passa a ser alvo de críticas a partir da segunda metade da década de 70. Em oposição a elas, consideradas então perspectivas tradicionais, as teorias críticas questionam a busca da eficiência (pedagógica e social) e a redução do currículo somente à sua dimensão técnica.

“Sobre o currículo compreendem dimensões culturais amplas, como as relações econômicas, as relações de poder, as relações de gênero e etnia etc.” Michael Apple (1982)




“Sustenta que há uma relação estreita entre o modo como se organiza a produção da vida em sociedade e o modo como se organiza o currículo, ainda que tal relação não se dê de forma direta, mas é mediada pelos vínculos os quais vão sendo produzidos, construídos, criados na atividade cotidiana das escolas (APPLE, 1982).



Segundo H. Giroux (1983), as abordagens tradicionais são orientadas por uma racionalidade técnica, instrumental, que atribui ao currículo uma dimensão utilitarista fundamentada nos critérios de eficiência.



O campo cultural no qual se insere o currículo não é um simples reflexo das relações econômicas: ele tem a sua própria dinâmica. As estruturas econômicas não são suficientes para garantir a consciência; a consciência precisa ser conquistada no seu próprio campo, isto é, no campo da cultura (SILVA, 2000).

Essas afirmações evidenciam que o currículo comporta, ao mesmo tempo, não apenas a possibilidade de adaptação dos indivíduos à sociedade, mas também a resistência às formas de dominação – política, econômica, ideológica.

A partir daí, duas ideias tornam-se centrais: as ideias de emancipação e as de libertação (GIROUX, 1983). Caberia à escola, pela mediação do currículo, possibilitar a tomada de consciência a respeito das relações de poder e de controle presentes nas instituições. Esta finalidade converter-se-ia na condição fundamental para a realização de um projeto pedagógico que tivesse como alvo a emancipação humana.
Desse modo, planejar o currículo se torna construção de significados e de valores culturais e reconhecimento de que estes estão relacionados à dinâmica de produção do poder na sociedade (SILVA, 2000).
Vamos nos lembrar que esse campo teórico identificou pelo menos três dimensões do currículo: uma dimensão 
prescritiva,



, explicitam as intenções, conteúdos e itinerários formativos;
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uma dimensão real

,adquire-se materialidade por meio das práticas vivenciadas nas salas de aula, currículo vivo, currículo real ou currículo em ação;e, ainda, 
a dimensão do currículo oculto
,decorrente das relações entre educandos e educadores nos momentos formais e informais nos quais trocam ideias, valores etc. 
Reflexão e Ação
Que relações existem entre o que eu ensino e o mundo do trabalho, da ciência, da tecnologia da cultura?”
Dimensões da formação humana: trabalho, ciência, tecnologia e cultura e os sujeitos do ensino médio
Um convite ao estudo e à reflexão a partir do fazer pedagógico e do ser professor.
O exercício de pensar a FORMAÇÃO HUMANA a partir do diálogo com a prática cotidiana do professor é o nosso grande desafio. Sabemos que os professores, sujeitos do fazer pedagógico, convivem com uma quantidade grande de concepções, mas muitas não encontram soluções às exigências de seu trabalho cotidiano.



Muitas vezes queremos e precisamos de respostas de “como fazer” e lidar com o processo formativo no dia a dia da atividade docente. Ao mesmo tempo, sabemos que uma prática pedagógica sem uma concepção a qual a oriente corre sempre o risco de não alcançar os objetivos propostos pela educação escolar de uma formação humana emancipadora e libertadora.Afinal, como diz Lucius Sêneca: “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir”



Reconhecer os sujeitos do ensino médio e dar centralidade aos conhecimentos e saberes representa uma intencionalidade política e uma concepção inovadora. Essa perspectiva desloca o ensino médio de uma visão abstrata, iluminista e racionalista para uma compreensão histórica e social do processo educativo e da construção dos conhecimentos nesta etapa formativa.



Diante da centralidade dos sujeitos, chegamos a um ponto fundamental no qual a proposição de um ensino médio que articule trabalho, ciência, tecnologia e cultura não podem ser homogeneizadas e padronizadas por parâmetros e prescrições curriculares.



As escolas públicas, em sua maioria, são pouco atraentes, não estimulam a imaginação criadora e oferecem pouco espaço para novas experiências, sociabilidades, solidariedades, debates públicos, atividades culturais e informativas ou passeios que ampliem os territórios de conhecimento (CARRANO, 2010, p.

145).



Os conceitos estruturais do ensino médio na perspectiva da formação humana integral




O ensino médio aqui caracterizado inclui o conceito de  formação humana integral e se organiza na perspectiva da integração entre trabalho,  ciência, tecnologia e cultura.

Neste sentido, consideramos necessária uma reflexão sobre estas dimensões e suas relações de interdependência, que podem informar e constituir uma identidade para organizar o currículo do ensino médio.



Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, objetivo central da organização curricular do ensino médio, significa compreender o trabalho como princípio educativo, posto ser por meio do trabalho que se pode compreender o processo histórico de produção científica e tecnológica, bem como o desenvolvimento e a apropriação social desses conhecimentos para a transformação das condições naturais da vida e ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos.

Sujeitos do ensino médio, conhecimento escolar e as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura




Uma ação curricular integrada para uma formação humana integral



O resgate do conhecimento escolar no campo do currículo



Young (2007), ao fazer a crítica às “pedagogias do aprender a aprender”, as quais tiram o foco do conhecimento científico e (super) valorizam os saberes do cotidiano, defende a posição de que o conhecimento escolar necessita ultrapassar a dimensão estritamente local, instrumental ou particularizada e oferecer as bases para a compreensão das relações entre o universal e o particular. 



Vimos que a trajetória histórica do ensino médio nos levou a organizar o conhecimento escolar em disciplinas e que esta organização instituiu uma forma fragmentada e hierarquizante. Isso nos coloca diante do seguinte questionamento: 

é possível organizar o currículo do ensino médio sem abrir mão da centralidade do conhecimento e de seus sujeitos e, ao mesmo tempo, enfrentarmos os limites da fragmentação do saber e a hierarquização entre as disciplinas?




As considerações feitas sobre o currículo e as possibilidades apontadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio sobre novos arranjos curriculares vão ao encontro da necessidade de que nesta etapa da educação básica se efetive a necessária integração entre um núcleo de conhecimentos do currículo obrigatório com atividades e opções do próprio interesse do estudante (NOSELLA, 2009)




O sentido da formação humana integral

Formação humana integral também se refere à compreensão dos indivíduos em sua inteireza, isto é, a tomar os educandos em suas múltiplas dimensões intelectual, afetiva, social, corpórea, com vistas a propiciar um itinerário formativo que potencialize o desenvolvimento humano em sua plenitude, que se realiza pelo desenvolvimento da autonomia intelectual e moral.



Qual o sentido de uma formação voltada para a produção da autonomia dos indivíduos?

Vale lembrar que a educação inclusive a escolar possui sempre um duplo caráter: o da adaptação e da emancipação, o da produção da identidade e da diferença.

A integração curricular a partir das dimensões do trabalho, da ciência, tecnologia e cultura na prática escolar


O currículo é, em outras palavras

O CORAÇÃO DA ESCOLA

, o espaço central em que todos atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua elaboração.
O currículo do ensino médio e as dimensões do trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia



O que muda na organização curricular de uma escola a qual se fundamenta na possibilidade

integradora da articulação entre trabalho, cultura, ciência e tecnologia?




Altera-se o tipo de formação anteriormente proporcionada, em que a ação educativa está centrada numa perspectiva propedêutica, dissociada do trabalho em suas dimensões ontológica e histórica; da ciência e da tecnologia como conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade e que produzem o avanço contraditório das forças produtivas; e da cultura como código e expressão dos comportamentos dos indivíduos e grupos que integram determinada sociedade e como manifestação de sua forma de organização política e econômica

Enfim, o redesenho curricular tendo como eixo estruturante as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura exige a atualização do Projeto Político-Pedagógico das unidades escolares.



É possível pensar uma organização curricular que se faça no caminhar, organizada inicialmente por disciplinas e áreas do conhecimento (recorte do real para aprofundar conceitos) alternadas com atividades integradoras (imersão no real ou sua simulação para compreender a relação parte-totalidade por meio de atividades interdisciplinares).

Caminhos possíveis na construção de uma perspectiva curricular integrada




Entendemos que um currículo integrado é desafiado pela fragmentação, linearidade e hierarquização que historicamente deixam estanques saberes e práticas, isolam segmentos, disciplinas, áreas e atribuem a algumas em geral às ciências ditas exatas um papel preponderante na carga horária e na avaliação do aluno. 

Sem ignorar que o currículo é um território de embates e luta de poderes, é preciso aproveitar possibilidades de ruptura com o isolamento disciplinar e com as dicotomias teoria/prática e educação geral/profissional para propor atividades integradoras, nas quais os conhecimentos de diferentes disciplinas, gerais ou técnicas, possam ser mobilizados de modo articulado em situações desafiadoras e instigantes, promovendo a autonomia e o protagonismo crescente dos estudantes

Em suma, estamos diante do desafio de implementar um currículo que:
• Seja inclusivo e intercultural;
• Supere o ideário do dualismo entre formação
geral e formação profissional;
• Proporcione um caminho formativo motivador,
tanto pela integração entre trabalho,
cultura, ciência e tecnologia como
pela prospecção de um futuro melhor;
• Articule a formação cultural e o trabalho
produtivo;
• Aproxime as ciências naturais das ciências
humanas.



Com base nesses pressupostos e diante dos desafios sinalizados, veja caminho que pode favorecer algumas articulações:

1. Seleção de conceitos fundamentais por área do conhecimento (sugere-se um mapa conceitual);

2. Identificação de conceitos comuns (inter/ intra-áreas do conhecimento). Juntar mapas disciplinares e a partir daí fazer um grande mapa curricular;
3. Proposta de contextos problematizadores que mobilizem os conceitos. Articular com vida cidadã mundo do trabalho;
4. No caso dos conceitos comuns, viabilizar atividades/projetos interdisciplinares a partir destes contextos



Bibliografia

O currículo do Ensino Médio, seus sujeitos e o desafio da formação humana integral

Pacto Ensino Médio -Etapa – Caderno 4
Setor de Educação da UFPR - 2013


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